Imagem de Alexandre Esgaio no livro Agora Tenho Duas Casas
O trabalho com crianças foca-se no seu bem-estar e quando existe uma crise familiar, esse bem-estar está comprometido. É verdade que há crianças mais resilientes e situações que vão de um mal-estar familiar para uma separação potenciadora de energias mais positivas. No entanto, uma mudança é sempre uma mudança, e para uma criança, aquilo que não era assim tão bom, é pelo menos a única realidade que conhece.
Depois de uma separação muita coisa muda entre a mãe, o pai e os seus filhos. Todos os momentos seguintes são difíceis e, por vezes, imprevisíveis. Ao refletirmos sobre as reacções psicológicas das crianças face ao divórcio dos pais, verificamos então que estas variam segundo 3 factores:
– A qualidade da relação com cada um dos progenitores antes da separação;
– A intensidade e duração do conflito parental;
– A capacidade/disponibilidade dos pais para se focarem nas necessidades dos filhos após a separação.
É consensual que todos sofrem após um divórcio. Mãe, pai e filhos têm pela frente um caminho que desconhecem. Não podemos quantificar quem sofre mais, mas podemos dizer que quanto aos filhos, as raparigas e os rapazes sofrem de formas diferentes. Por um lado os rapazes exteriorizam mais os seus sentimentos, manifestando a sua raiva, frustração e tristeza. São frequentes os problemas na escola com maior número de comportamentos agressivos para com os pares e atitudes de revolta para com os pais. Por outro lado as raparigas tendem a internalizar o seu mal-estar. Podem ficar deprimidas, manifestar dores físicas, e alterar os seus padrões de sono e de alimentação.
Por vezes os pais necessitam de ajuda para identificar os sinais de mal-estar nas crianças, especialmente nos mais pequeninos. O que se segue são alguns sinais de alerta típicos em crianças de diferentes idades:
Até aos 3 anos:
– Regressão nos padrões do sono, na conquista da autonomia dos xixis ou na alimentação;
– Maior lentidão na aquisição de novas competências;
– Perturbações do sono;
– Ansiedade de separação;
– Maior número de birras e de temperamento desorganizado.
Dos 3 aos 5 anos:
– Regressões: voltar a solicitar bonecos antigos, dificuldades no treino da remoção da fralda, chuchar no dedo;
– Imaturidade no entendimento do que se está a passar, inventando histórias;
– Sentimentos de culpa;
– Ansiedade ao deitar, sono agitado;
– Medo de ser abandonado por ambos os pais;
– Maior irritabilidade, birras, agressividade.
Dos 6 aos 8 anos:
– Tristeza, sentimentos de abandono e rejeição;
– Choro frequente;
– Medo que as suas maiores preocupações se tornem realidade;
– Fantasias de reconciliação;
– Conflitos de lealdade;
– Problemas no controlo de impulsos, comportamento desorganizado.
Dos 9 aos 12 anos:
– Medo da solidão;
– Raiva intensa para com o progenitor que culpam pela separação;
– Queixas físicas, dores de cabeça e de barriga;
– Hiper-reactivo para evitar pensar no divórcio;
– Sentimentos de vergonha com o que se passa na família.
Adolescentes:
– Medo de se sentirem isolados e abandonados;
– Sensação de indisponibilidade dos pais para com os filhos;
– Pressa para se tornarem independentes;
– Competição com os pais;
– Colocar em questão todas as relações projectando para o seu próprio futuro;
– Desconforto com novas relações dos pais;
– Cansaço e dificuldades de concentração.
É importante perceber quanto e de que forma cada criança necessita de ajuda para lidar com a situação, adaptando a rede de suporte de acordo com as suas necessidades.
O caminho a percorrer é difícil para todos mas é importante não esquecer que a criança que passa pelo divórcio dos pais ganha, quanto maior for a presença de ambos. Uma proximidade relacional à mãe e ao pai permite relações futuras mais equilibradas. São estas relações com os pais que modelam a forma como as crianças aprendem também a relacionar-se com o mundo.
Lúcia Bragança Paulino